domingo, 22 de fevereiro de 2009

ÉTICA UNIVERSITÁRIA, TROTES E CIDADANIA

O Brasil universitário experimenta todos os anos uma prática anticidadã e desrespeitosa ao sistema de ensino, falo do trote a que são submetidos os novos calouros. São práticas geralmente violentas e sempre humilhantes, como se o preço para freqüentar o ambiente universitário já não fosse, no Brasil, um processo seletivo dos mais rigorosos, o vestibular.

Tivemos casos sérios de trotes universitários que culminaram com a morte, o coma e outras lesões graves. E tudo fica por isso mesmo. As universidades fazem vistas grossas, talvez porque vêem nos alunos apenas cifras e não pessoas, cidadãos, futuros profissionais , cuja boa formação seguramente traria mais dividendos a essas instituições, do que terem sua imagem maculada por práticas inaceitáveis. Será uma miopia gerencial do sistema universitário brasileiro, ou a violência se tornou tão corriqueira no seu interior que esses rituais sádicos e covardes foram incorporados tacitamente à grade curricular? É uma inovação pedagógica?

E a polícia? Somente toma providências, as mais burocráticas possíveis, depois que vítimas sucumbem à sanha dos algozes, os veteranos universitários, indignos freqüentadores de um sadio ambiente escolar. É inacreditável e inaceitável que a polícia aceite passivamente essas práticas. Poderiam, pelo menos, se antecipar a esses rituais de terror, preservando o direito dos novatos de freqüentarem o ambiente escolar sem humilhação e violência, uma vez que a estrutura gerencial universitária se mostra cúmplice de tais práticas, pela omissão.

Esses rituais degradantes merecem uma análise mais acurada, o que leva veteranos universitários a se comportarem sadicamente? A psicologia comportamentalista tem resposta pronta: ‘apenas repetem práticas que sofreram quando iniciaram a vida universitária’. Ora, é sabido que a imbecilidade de alguns humanos exacerba seu comportamento em situações de poder e de covardia. É o que ocorre nas universidades: gangues de veteranos se organizam para machucar, torturar, humilhar e até matar novatos que chegam sozinhos, desorganizados e indefesos. Esse fato é um problema policial. A covardia e a injustiça são problemas sociais, mas de cunho político e, nesse caso, de política organizacional: é preciso uma intervenção de autoridades policiais, respaldadas por decisões judiciais, no ambiente universitário, que aceita passivamente essas práticas. Quem poderia imaginar que o ambiente universitário brasileiro, marcado historicamente por lutas pela liberdade, pela democracia, pela resistência à tirania, pudesse sucumbir tão facilmente à gana agressiva, sádica e doentia, de alguns covardes veteranos? E o mais chocante: os defensores das instituições, os mandantes das universidades e as autoridades de segurança pública, assistirem passivamente essa captura de espaço público.

O Estado brasileiro revela-se cada vez mais incompetente para, por um lado, promover ensino de qualidade com cidadania e, por outro, para regular e fiscalizar os ambientes públicos, garantindo o direito do cidadão de viver em paz.

Cresce, no país, as milícias, ocupando espaço onde o Estado não se faz presente com competência. Avança o poder das torcidas organizadas como se fossem milícias submetidas aos interesses dos cartolas e de contraventores. Arrastões são praticados como atividade cotidiana nas praias e ruas de grandes cidades. Quadrilhas atuam como se não houvesse autoridade para coibir suas práticas. Traficantes aparecem em todos os segmentos da sociedade como se fossem gente boa. Estupradores, pedófilos e outros personagens cujas práticas são, antes de tudo, covardes, ocupam espaço público, porque não há nem antecipação e nem reação capazes de impedir suas ações.

Se não acontecer uma completa anulação dessas práticas violentas, a situação deverá se agravar porque, obviamente, haverá de surgir alguma reação como, por exemplo, milícias de novatos para enfrentar as gangues dos veteranos, enquanto as autoridades universitárias e policiais apenas assistirão ao espetáculo, numa arena neo romana, vestidos de impolutos semideuses.

As famílias brasileiras precisam fazer uma profunda reflexão: como criar seus filhos para se tornarem cidadãos? Essa resposta tem que ser convergente, todos os pais e mães precisam se conscientizar de que o futuro desse país depende da correta educação na primeira infância. São os pais que devem se responsabilizar para preparação dos filhos para o primeiro e mais significativo ritual social: a preparação para ter o direito de freqüentar uma escola, porque é lá que o filho transcenderá sua condição de filho, para cidadão. Os trotes têm que ser abolidos das escolas. Se continuarem, devem ser penalizados criminalmente. As escolas que permitirem sua prática deveriam ser impedidas de funcionar, porque não formam cidadãos, mas criminosos. Os calouros precisam ficar mais espertos, e se organizarem para enfrentar essas gangues, enquanto as autoridades ficarem de braços cruzados.

Antonio Flávio Testa

Sociólogo

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